Os blocos que mudaram a histórias da Margarida

Antes de fazermos isto, nós defecávamos nos arredores da casa, próximo ao quintal. Fazíamos uma cova com a enxada e tapávamos depois de defecarmos.
REPORT.PHOTOS: Leonel Albuquerque - 31. janeiro 2023

O fecalismo a céu aberto é uma prática milenar e prejudicial presente em muitas comunidades rurais em Moçambique, causado por vários factores, entre as quais, a pobreza, o desconhecimento das boas práticas de higiene e limpeza, a falta de infra-estruturas de saneamento.

Deste modo, as machambas, quintais de residências, matas, estradas e até bermas dos rios são usados como latrinas pela população, poluindo e contaminando o meio ambiente, o que gera crises de saúde cíclicas com impactos sociais e económicos que retardam o desenvolvimento das comunidades.

A Helvetas está comprometida em mudar essa realidade e suas intervenções está a contribuir para gerar mudanças dos hábitos e costumes locais na área de abastecimento de água, saneamento do meio e higiene nas comunidades rurais.

A comunidade de Jagoma, que dista a 40 quilómetros da vila de Moma, é disto um exemplo. Nela encontramos Margarida Sualé, camponesa, viúva, de 60 anos de idade, tirando água de uma nova fontanária recentemente reabilitada pela Helvetas. A maioria das habitações naquela comunidade já tem aterro sanitário, uma copa de madeira improvisada, uma casa de banho de palha, visivelmente recente e uma latrina e construída com base em blocos de argila e coberto por cima, à semelhança do que acontece com as habitações.

Tudo deste lado não tem muito tempo! Menos a casa onde dormimos”, explica Margarida Sualé, apontando para a casa de banho e a latrina, cuja altura, do piso ao tecto, é de cerca de 1 metro.

Mas nem sempre foi assim…

«Antes de fazermos isto, nós defecávamos nos arredores da casa, próximo ao quintal. Fazíamos uma cova com a enxada e tapávamos depois de defecarmos. As vezes íamos para o mato, mas quando havia gente nas machambas nós tínhamos de ir para locais mais distantes ou aguentar até anoitecer para fazer necessidades aqui no quintal»

Imagine, 7 filhos, mais a mãe (8 pessoas) fazendo necessidades maiores e menores no quintal de casa onde vivem. Não tardou para que a família começasse a sofrer as consequências das más práticas de higiene e limpeza. E pagavam com saúde.

«As minhas crianças estavam quase sempre com diarreia, vómitos e lombrigas. Quando levava ao hospital os médicos aconselhavam-me a ferver água para dar de beber as crianças e perguntavam como nós vivíamos em casa. Perguntavam como lavávamos os pratos, se a casa de banho estava longe ou perto de casa. Depois disso, davam comprimidos»

Margarida

Resistência a mudança

As doenças de origem hídrica e a falta de saneamento e higiene ainda afligiam a família da Margarida Sualé quando ela tomou conhecimento dos trabalhos da AMASI (Associação dos Educadores dos consumidores de Água), parceiro da Helvetas, naquela comunidade. Os membros da comunidade de Jagoma foram sensibilizadas sobre a necessidade de adopção das boas práticas de saneamento do meio e higiene. Embora duvidando, Margarida participou dos encontros e das actividades de revitalização do Comité de Abastecimento de Água (CAS), em Agosto deste ano, no qual viria a ser membro.

E agora, como parte do CAS de Jagoma, Margarida tinha de motivar, com exemplos concretos, as outras famílias de modo a cumprir com as normas de higiene e saneamento, algo que ela não dava importância. Por isso, numa manhã como outra qualquer, ela foi ao encontro do sobrinho do já falecido marido para pedir emprestado o molde, com qual viria a produzir 250 blocos. De seguida, construiu a latrina, incluindo as respectivas paredes e tectos e renovou a casa de banho, com novos paus e palhas.

«Meus filhos apoiaram-me muito, até porque já tinha explicado a eles que devíamos ter uma casa de banho melhorada em casa. Como alguns deles já são pessoas crescidas entenderam logo que uma casa de banho lhes ajudaria a esconder suas intimidades no momento de fazer as necessidades e durante o banho»

Margarida também contribui para preservação e manutenção da fontenária de água instalada junto a Escola Primária e Completa 1º e 2º grau de Jagoma. Além disso, ela reconhece que a fontanária trouxe grandes mudanças para sua vida.

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«Eu e muitas outras pessoas tirámos água aqui, sai água limpa e é perto de casa. Não há razão para que meus filhos fiquem sozinhos muito tempo porque eu [a mãe] fui buscar água. Quando isso acontece, eles sabem onde me encontrar. Já não tenho de madrugar. Quando esta fonte estava parada, eu saia às 04 da manhã e com meu último filho ao colo para ir buscar um balde de água (20 litros). As outras crianças ficavam o pai. Quanto tivesse criança doente em casa, logo que terminava de buscar água no João, tinha de levá-lo ao hospital. No tempo chuvoso o poço ficava suja e durante a estação seca, tinha água limpa»

Faltava as aulas porque bebia água imprópria

Acabava de sair da sala de exames quando a abordarmos na companhia de uma outra colega. Faída Mussa tem 15 anos e frequenta a 7ª classe na Escola Primária Completa do 1º e 2º Grau de Jagoma, o mesmo nome da comunidade onde reside. O sorriso dela comprovava que tudo havia corrido da melhor forma e estava convicta de que vai passar de classe.

A estudante testemunhou várias mudanças no ambiente escolar, desde professores e professoras, melhoria dos assentos, apetrechamento das estruturas da escola. Mas o que mais contenta a Faída é a disponibilidade de água limpa na escola, até porque não raras vezes viu-se obrigada a falta as aulas depois de ter consumido água do poço.

«Antes de termos água na escola, [eu] bebia e lavava as mãos com água do poço, que fica aí ao lado do campo [de futebol]. Quando acabava de usar a casa de banho da escola ia para o poço levar água para lavar as mãos e me limpar. E as vezes por preguiça ficava assim, sem me limpar devidamente. Já tive dor de barriga que me fez perder um teste. Minha mãe levou-me ao hospital. Mas agora tudo mudou, porque temos fontenária na escola. Na casa de banho tem quase sempre um balde com água. Quando sentimos sede, vamos beber água da fontanária»

Faída Mussa (camisa azul-claro e saia azul-escuro)